domingo, 2 de março de 2008

"Braço Tatuado", de Cristóvão de Aguiar, crítica literária de Gonçalo Mira, in Orgia Literária. 28.2.2008

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por Gonçalo Mira.
"Braço Tatuado tem um subtítulo que é, ao mesmo tempo, uma descrição da obra: Retalhos da Guerra Colonial. Este romance de Cristóvão de Aguiar, agora publicado numa nova versão pela Dom Quixote, havia sido publicado como parte do livro Ciclone de Setembro de 1985 e depois como romance independente, já com este título, em 1990. O autor esteve, entre 1965 e 1967, na Guiné, onde viveu experiências que serviram de matéria-prima para este romance.

A guerra colonial é vista frequentemente como um absurdo, como algo que não fez sentido. Pelo menos é essa a imagem que passa dos relatos de muitos ex-combatentes. Eram homens perdidos, que não sabiam porque estavam ali nem para quê. Braço Tatuado não foge a esta visão da guerra. Contudo, será bastante mais interessante analisar esta constância do ponto de vista do estudo sobre a guerra do que do ponto de vista do estudo sobre a literatura. O que é realmente importante não é o facto de as obras terem a mesma visão, mas sim que os combatentes tenham a mesma visão. Serve isto para defender o romance de acusações de falta de originalidade. Não é isso que está em causa aqui. Primeiro, porque todos os documentos sobre a guerra (ou qualquer outro acontecimento histórico) são importantes, se forem bem feitos – o que é o caso – e nunca os há que cheguem. Segundo, porque existe, de facto, originalidade nesta obra. Existe originalidade no tom, na forma como são contados os acontecimentos, no tratamento do tempo, no tratamento da linguagem.

Ao longo do romance, vamos acompanhando os episódios mais marcantes da companhia 666, narrados na primeira pessoa pelo alferes Mendonça. Estes retratos da guerra, ou retalhos como sugere o título, não espelham outra coisa que não o já falado absurdo. Não só o absurdo de quem foi chamado para uma guerra que não queria fazer, mas também o absurdo de quem olha à distância: neste caso, nós leitores. O mérito não está em fazer-nos sentir o que os soldados sentiam, até porque isso seria, provavelmente, impossível. O mérito é o de nos fazer ver o absurdo sem dizer que é absurdo. O próprio leitor cria as suas legendas para aquelas imagens, mesmo sem perceber as personagens. E uma vez mais, isto não deve ser entendido como uma crítica à obra. Não perceber as personagens é uma incapacidade do leitor que nunca viveu uma situação minimamente semelhante àquela. É uma incapacidade perfeitamente legítima. A maioria dos leitores encontra-se nesta situação: são espectadores atentos de algo que não conseguem compreender. E se numa leitura mais superficial poderia parecer absurdo admirar algo que não se compreende, com um pouco de reflexão e predisposição, tal facto é perfeitamente aceitável. Há certas coisas que nunca compreenderemos. É inevitável. Nenhum ser humano poderá saber e compreender tudo. Mas isso não deve impedir ninguém de admirar. Essa é a grande vantagem da arte."

por Gonçalo Mira

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Cyrano de Bergerac

Cyrano de Bergerac
Eugénio Macedo - 1995

TANTO MAR

A Cristóvão de Aguiar, junto
do qual este poema começou a nascer.

Atlântico até onde chega o olhar.
E o resto é lava
e flores.
Não há palavra
com tanto mar
como a palavra Açores.

Manuel Alegre
Pico 27.07.2006