sexta-feira, 12 de dezembro de 2008

Keynes e Esopo, por Luís Aguiar-Conraria.


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Keynes e Esopo
Luís Aguiar-Conraria*

Nas duas últimas décadas, os governos têm sido recorrentemente acusados de se esquecerem de que há vida para além do défice. Apesar de tanta obsessão, a nossa Dívida Pública, que mais não é do que soma dos défices ao longo dos anos, representa cerca de 65% do nosso PIB. Compare-se com a Irlanda que, nos anos 90, chegou a ter uma Dívida superior a 100% do PIB, mas que, em 2007, não valia mais do que 25%. Aliás, na Europa, vários países há com dívidas inferiores a 40%. Em Portugal, ainda por cima, à dívida pública oficial, há que acrescentar 22% de dívida do Sector Empresarial do Estado e mais um valor desconhecido de dívida indirecta gerada pelas parcerias público-privadas.
À beira de uma grande recessão, fatalmente, a fábula de Esopo com a cigarra e a formiguinha vem à cabeça. Tivéssemos tido, verdadeiramente, governos obcecados com o défice e hoje, com uma dívida pública decente, teríamos margem para aumentar a despesa pública e cortar os impostos de forma determinada. Fazer como o Reino Unido, onde se prevê que o défice dispare para os 9% em 2010, ou como a Irlanda, que deve deixar a Dívida Pública quase duplicar. Sem essa margem de manobra, as políticas governamentais têm de ser certeiras, com impacto rápido e alargado e com custos orçamentais transitórios.
Benesses para os sectores mais reivindicativos são de excluir. Apesar de eleitoralmente proveitoso, distorcem-se regras básicas de concorrência, prejudicando as melhores empresas, que são as que não choram por apoios estatais. Políticas que impliquem um aumento da despesa pública a longo prazo proporcionam um alívio imediato mas deixam-nos mais indefesos no futuro. Cortes nos impostos sobre o rendimento, seja das empresas seja dos particulares, também têm efeitos reduzidos. Tal acontece porque as pessoas não são tolas e sabem que défices orçamentais presentes traduzem-se em impostos futuros. Assim, em vez de aumentarem o consumo, estimulando a procura, irão aumentar o aforro. Por outro lado, as empresas protegem-se da incerteza dos mercados adiando decisões de investimento. Ou seja, cortes nos impostos sobre os rendimentos não se vão traduzir em aumentos do investimento e do consumo, mas sim em entesouramento.
Para garantir a eficácia de um corte nos impostos sobre o rendimento, estes devem ser dirigidos aos mais pobres, que ganham tão pouco que nada poupam. Basta criar um escalão de IRS com taxa de imposto negativa. Para garantir que apenas os mais pobres são beneficiados, tal pode ser compensado com uma subida nos escalões mais altos do IRS. Com esta medida, o impacto é imediato e aliviam-se as dificuldades financeiras das famílias de baixos rendimentos. Outra hipótese a considerar será um corte provisório do IVA, para 15%, por exemplo. As famílias aumentariam o seu consumo, de forma a beneficiarem da redução temporária nos preços. Mesmo que a descida do IVA não se reflectisse totalmente numa descida dos preços, tal traduzir-se-ia num aumento das margens das empresas, que bem necessitadas estão de algum desafogo.
Concluindo, há quatro mensagens que gostaria de deixar. Primeiro, perante uma recessão tão forte como a que se adivinha não faz sentido subsidiar umas indústrias à custa de todas as outras. Qualquer acção do governo deverá ter um impacto global. Segundo, dado o valor da nossa Dívida Pública, não podemos investir em projectos públicos que se traduzem num aumento da despesa por muitos anos. Terceiro, cortes nos impostos sobre o rendimento devem ser dirigidos às famílias mais pobres. Cortes temporários de impostos devem incidir sobre o IVA. Finalmente, se no futuro quisermos estar mais bem preparados para enfrentar crises económicas, será bom que durante os anos de bonança a obsessão pelo défice seja levada a sério: sem a formiga de Esopo não há Keynes para salvar a cigarra.
*Professor de Economia na Universidade do Minho
lfaguiar@eeg.uminho.pt

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Cyrano de Bergerac

Cyrano de Bergerac
Eugénio Macedo - 1995

TANTO MAR

A Cristóvão de Aguiar, junto
do qual este poema começou a nascer.

Atlântico até onde chega o olhar.
E o resto é lava
e flores.
Não há palavra
com tanto mar
como a palavra Açores.

Manuel Alegre
Pico 27.07.2006