sábado, 29 de outubro de 2011

Entrevista de Luís Aguiar-Conraria: economista e professor na Universidade do Minho

PRIMEIRO PLANO

EXCLUSIVO
Luís Aguiar-Conraria: economista e professor na Universidade do Minho

“A crise só vai acabar quando formos mais pobres do que somos hoje”

Luís Aguiar-Conraria é doutorado em economia e professor auxiliar e vice-presidente da Escola de Economia e Gestão da Universidade do Minho e esteve presente, no passado dia 15out11, numa conferência promovida pela Casa dos Açores do Norte, em parceria com o “Etc e Tal”.

Em exclusivo, este jovem economista traça um quadro pouco animador, mas realista, da economia nacional. Em momentos de austeridade, Luís Aguiar-Conraria coloca os seus “pontos nos is” em diversas e importantes questões relacionadas com a grave crise que vivemos.

Ele concorda com a redução dos bens da taxa intermédia do IVA; diz que o OE2012 é um péssimo plano; avisa que vamos viver pior; defende a descida da Taxa Social Única, e que temos uma cultura “mediocrática” que protege os medíocres.

Para o nosso entrevistado teremos, mais cedo ou mais tarde, de “saber fazer mais com menos” e que o regresso de Portugal aos mercados será uma realidade só lá para… 2015.

Mas há mais! Muito mais… a ler.

A grave crise que vivemos é, e de acordo com o que disse na nossa conferência, a terceira desde o 25 de Abril, se tivermos em conta o número de pedidos de ajuda ao FMI. Esta é a mais grave de todas? Até que ponto a nossa integração na Zona Euro complicou a economia e as finanças nacionais? Como e quando isto poderá acabar?

Esta é a mais grave de todas. Não há dúvidas em relação a isso. Quer por causa dos desequilíbrios macroeconómicos acumulados, quer pela incapacidade de seguir políticas monetária e cambial autónomas.

Só poderá acabar quando o saldo das nossas contas com o exterior for positivo e o Estado apresentar saldos primários positivos também. Infelizmente, tal só vai acontecer quando formos substancialmente mais pobres do que somos hoje.

Revelou que os portugueses poupam menos, e que a poupança é essencial para o crescimento ou para a estabilidade económica do País. Como é que num Portugal em que parte substancial das famílias não chega com dinheiro ao dia 20, os cidadãos e as cidadãs podem poupar alguns “tostões”? As taxas de juro são atraentes? O que foi feito aos Certificados de Aforro?

Não quero ter discursos moralistas, que são descabidos. Mas a questão das poupanças é também uma questão de atitude. Há países bastante mais pobres do que nós que têm uma população com maiores taxas de poupança.

O Orçamento de Estado para 2012
O Governo prepara-se para colossais cortes na despesa, designadamente em setores tão importantes como o da Saúde (800 milhões) e Educação (600 milhões). Ao mesmo tempo que cria receita através do aumento de impostos, com destaque para o IVA e logo no que concerne a bens tão importantes como a eletricidade, o gás, e os transportes. Essas medidas são essenciais? Os cortes na despesa são estruturais? Não falta aqui um plano ao incentivo ao crescimento?

Não há qualquer consenso quanto ao que é um bom plano de incentivo ao crescimento. Por exemplo, um desses planos foi a aposta nas Energias Renováveis, Já viu os lindos resultados desse plano? A eletricidade seria muito mais barata se não fosse essa política voluntarista. Outro plano de crescimento foi a construção de estádios. Belo resultado, não? E o da construção de aeroportos? Quase que temos de pagar aos turistas para aterrarem no Aeroporto de Beja. Independentemente da bondade de tais políticas, a verdade é que não há dinheiro para as financiar.

Concorda com a considerável redução de bens da Taxa Intermédia do IVA?

Concordo. Não vejo motivos para o Estado definir quais são os produtos mais caros ou mais baratos. Isso deve ser uma escolha dos mercados, ou seja das empresas e das pessoas. Assim, tirando um cabaz de bens essenciais, todos os produtos devem ter a mesma taxa. Outra questão diferente é a de saber se ela é demasiado alta ou não.

O Orçamento de Estado para 2012 é, ou não, um bom Plano, mesmo tendo em conta o Estado Social em que o País se encontra, enfatizando-se o crescente número de desempregados que poderão ultrapassar os 13,5 por cento no final do próximo ano?

É um péssimo plano. Infelizmente todas as alternativas são péssimas. Admito que se possa discutir algumas medidas em concreto, mas sempre propondo alternativas que conduzam a resultados semelhantes para o défice orçamental.

Por exemplo, podemos discutir se será possível reduzir menos os salários dos funcionários públicos, mas tal, implicará que se vá buscar receitas (ou reduzir despesas) a outro lado. Por exemplo, cortando nos subsídios de Natal do setor privado.

Incentivos e cortes

Devia ou não haver incentivos às pescas e à agricultura? É que se os há… não conheço. E não conheço desde a altura em que o atual Presidente da República, Cavaco Silva, então primeiro-ministro, deu cabo desses importantes setores produtivos, ao contrário do que aconteceu em outros países europeus…

Na minha opinião não devia haver nem incentivos às pescas nem incentivos para acabar com as pescas, que foi o que houve nos tempos de Cavaco Silva como primeiro-ministro. Talvez se justifiquem alguns subsídios para compensar os disparates passados. Mas a verdade é que não há margem orçamental para isso. Já seria bom que o Estado não atrapalhasse com impostos tão altos, quanto mais esperar por subsídios.

As medidas de austeridade que o Governo vai fazer aprovar, passam por um ataque direto à Função Pública, com a eliminação do 13.º e 14.º mês para os funcionários e pensionistas que ganhem mais de mil euros. Concorda com este corte radical? Em seu entender, esta é só uma medida a aplicar em 2012, ou vai durar mais alguns aninhos?

Na prática, penso que a longo prazo, um desses salários não será recuperado. No setor privado, na prática, também vai acontecer uma redução salarial, com a desvantagem de o desemprego aumentar pelo caminho.

Infelizmente, vamos todos viver bastante pior, antes de Portugal retomar uma trajetória de crescimento.

Estado social e TSU

Muita gente pergunta, e alguns são leitores do nosso jornal, se daqui a vinte anos não haverá prestações sociais (reformas) para os velhos, nem para os desempregados, isto quando se sabe que a receita das taxas não chegam para cobrir metade das despesas do Estado. É possível haver esses cortes e regressarmos ao período anterior ao da primavera marcelista?

A democracia não é um facto adquirido. É algo que se constrói. Tem muita razão na sua pergunta. No que respeita a contas públicas a nossa situação não é muito diferente da que Salazar encontrou. Felizmente que o nosso regime político atual parece ser mais estável e mais capaz de enfrentar dificuldades do que o da 1ª República.

Ainda relativamente às medidas de austeridade, o professor defendeu na nossa conferência, a descida da Taxa Social Única (TSU). O Governo pensou e estudou o assunto, mas parece que tudo ficou em “águas de bacalhau”… ficou na mesma. Por que era tão necessária para a nossa recuperação económica a descida da TSU? O problema fica resolvido com o horário de trabalho no setor privado ser aumentado meia hora por dia nos próximos dois anos?

Para onde vai o dinheiro desse sacrifício dos portugueses? Para a banca?

A descida da TSU, compensada por uma subida uniforme do IVA (para uma descida de quatro pontos percentuais da TSU, o IVA teria de subir cerca de dois p.p.), permitiria manter as receitas fiscais totais.

Ao mesmo tempo, seria uma forma encapotada de subsidiar as exportações e penalizar as importações. Correspondia a uma desvalorização cambial. Com essa medida, este período transitório seria menos difícil. Possivelmente, em vez de a recessão ser de 2,8 por cento seria “só” de 2 por cento. Não acredito que a meia hora de trabalho faça alguma diferença. A maioria dos portugueses já trabalha bem mais do que essa meia hora.

Afirmou também que o Bloco de Esquerda, há uns anos atrás, defendia a descida da TSU. Em sua opinião por que é que a posição desse movimento político mudou radicalmente?

O BE defendeu e propôs mesmo em Assembleia da República que a Segurança Social fosse financiada por um imposto sobre o valor acrescentado das empresas. Não percebo por que motivo agora são contra a descida da TSU compensada por um IVA social. Terá de lhes perguntar. É pena. Baixar a TSU seria uma forma de promover o emprego. A nossa fiscalidade protege o capital em vez de proteger o trabalhador. A descida da TSU seria um passo no bom sentido.

O regresso do Escudo
São cada vez mais as vozes que defendem a saída de Portugal da Zona Euro e o regresso ao escudo ou a outra moeda qualquer. Quais seriam os custos dessa “revolução”? E os benefícios a médio ou longo prazo?

É uma experiência praticamente sem precedentes. Nem sequer a consigo imaginar. Não tenho um quadro intelectual que me permita sequer equacionar os prós e os contras.

Imagino que o efeito final dependeria muito das condições em que fosse negociada a nossa saída. Por exemplo, as nossas dívidas passariam para a nossa moeda ou continuariam em Euros? Neste último caso, adivinho consequências catastróficas.

A recessão poderá ultrapassar os três pontos percentuais no próximo ano. Isso é quase o caos total! Não? Estamos, ou não, a seguir as pisadas gregas, ainda que com ligeiras diferenças e com algumas (hipócritas) palmadinhas nas costas vinda de senhores de peso a nível internacional… não só da União Europeia?

Em 2009, em vários países europeus, a recessão foi de 7, 8 e 9 por cento. Nós não tivemos uma quebra tão forte na altura, mas, somando estes anos todos, lá vai ser algo desse género. Vamos sair disto bastante mais pobres, não tenho dúvidas.

Voltando à questão dos incentivos ao crescimento, a regionalização, com produção e promoção dos produtos de cada terra (agricultura, pescas e indústria) não só em termos nacionais como também internacionais (leia-se exportação), não seria um bom incentivo para sairmos do marasmo em que nos encontramos?
Eu, pessoalmente, sou a favor da regionalização. Mas não me parece que isso contribuísse para sairmos da crise. Um processo de regionalização demora sempre alguns anos a ser concluído. E, se for feita, tem de ser muito bem feita.
Alternativas

Não há alternativa a esta política neo-liberal capitalista, assente no domínio do eixo franco-alemão? O Euro tem capacidades para sobreviver, ou – e sem querer que faça futurologia – voltaremos a “um Estado uma Moeda”? O Euro deveria desvalorizar?

Há sempre alternativas. É uma questão de escolhas das sociedades. O Euro não vai desvalorizar. O saldo externo na Zona Euro, como um todo, é equilibrado. Vamos mesmo ser nós a fazer a desvalorização interna (ou seja, ficarmos mais pobres).

Portugal, mesmo com as boas relações que tem com os países de expressão oficial portuguesa (mais teóricas do que práticas), não deveria apostar mais nas exportações para essas nações?

Tirando o Brasil e, se calhar, Angola, esses países têm pouca dimensão económica. As nossas maiores oportunidades aí não serão tanto de exportações. Será mais de investirmos nesses países.

“Mediocracia”

A política partidária, as finanças e a economia fazem parte da mesma família, ainda que às vezes não se entendam. Há bons políticos e economistas em Portugal? Quem?

O nosso sistema não premeia os bons políticos. Temos uma cultura mediocrática, que protege os medíocres. Há bons economistas, claro, há-os até muito bons. Mas ser um bom economista não implica que se consiga levar a cabo boas políticas económicas. Um ministro da economia ou das Finanças não é um economista, é um político.

Se fosse ministro da Economia que medida, ou medidas, tomaria de imediato? Começaria por cortar às bases ao poder local democrático, muita das vezes, também algo despesista?

Se me convidassem para ministro eu pensara que estavam a gozar comigo e desligaria o telefone. Se me ligassem novamente, eu desligaria novamente.

O “buraco” na Madeira surpreendeu-o? Não deveria o Governo ter já revelado os outros buracos que andam por aí escondidos?

Vamos com calma. De certeza que haverá muito mais buracos. Que sejam revelados à medida que forem sendo descobertos já seria bom.

Fazer mais com menos

Com o número de desempregados a crescer de dia para dia, assim como o de pessoas que se encontram no limiar da pobreza. Com a massa cinzenta portuguesa a abalar para o estrangeiro, porque aqui não arranja colocação. Como é que um país pode crescer se o seu Estado Social está a cair de podre? E como é que, não apostando na Educação, se pode formar jovens para dar resposta às exigências do futuro? Professor, teremos um Serviço Nacional de Saúde, como hoje o vemos, daqui a vinte anos?

Temos de fazer mais com menos. Tenho a certeza que cada um de nós, nas suas áreas de trabalho, sabe como fazer mais com menos. Eu vejo imensas coisas nas universidades que podem ser feitas de forma bastante mais eficiente.

Tem é de haver flexibilidade e autonomia para poder levar essas transformações a cargo. Olhando para as universidades, realidade que conheço melhor, faz sentido que um professor universitário que não faz investigação e que não ocupa cargos de gestão tenha uma carga horária semanal que vai seis a nove horas semanais? Não poderia/deveria dar o dobro das aulas? Um professor universitário que não faça investigação é, simplesmente, um professor do secundário luxuosamente bem pago. Tenho a certeza de que exemplos simples como estes abundam em todas as áreas.

Quando é que Portugal regressará aos mercados, em 2013 ou em 2020?

2015 é a minha aposta, mas este ministro das finanças parece determinado em que seja mesmo 2014. Vamos ver.

Por último, como é que os seus alunos reagem à situação económica em que se encontra este país à beira mar plantado, mas mal regado?

Com trabalho. Os meus alunos sabem que têm de trabalhar mais para encontrar emprego. Muitos que não encontram emprego, investem na sua formação, fazendo mestrados. São trabalhadores, competitivos, sem porem de lado a camaradagem. É uma boa geração esta.

José Gonçalves (texto)
(20-out-11)

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Cyrano de Bergerac

Cyrano de Bergerac
Eugénio Macedo - 1995

TANTO MAR

A Cristóvão de Aguiar, junto
do qual este poema começou a nascer.

Atlântico até onde chega o olhar.
E o resto é lava
e flores.
Não há palavra
com tanto mar
como a palavra Açores.

Manuel Alegre
Pico 27.07.2006